PSICOBIOLOGIA DO ESTRESSE
- L-PSICOBIO
- 3 de mai. de 2022
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A compreensão dos fundamentos da psicobiologia das síndromes de resposta ao estresse, dos transtornos de ajustamento e da resiliência.

De acordo com McEwen e Rasgon (2018) tanto a depressão quanto outros transtornos de saúde mental têm uma relação não apenas com a desregulação da arquitetura e funcionamento neuronal, mas também com a desregulação fisiológica sistêmica. Há uma interação contínua entre o cérebro e o corpo por meio dos sistemas neuroendócrino, autônomo, metabólico e imunológico. O estresse exerce um papel importante no mecanismo de adoecimento psiquiátrico. O cérebro é considerado um órgão chave da resposta ao estresse, uma vez que este determina o que é ameaçador, ou seja, estressante, controlando as respostas comportamentais e fisiológicas.
O hipocampo é um importante alvo para glicocorticoides e estresse. Ele está envolvido com o mecanismo de resistência à insulina, comprometimento cognitivo, depressão e doença de Alzheimer. Muito agentes estão envolvidos no gerenciamento do estresse: adrenalina e noradrenalina, glicocorticoides, citocinas pró e anti-inflamatórias, podendo afetar umas às outras, sendo estes intensificados ou suprimidos pelo estresse. Além desses agentes, existem outros mediadores do estresse como os glicocorticoides (emanam do córtex adrenal e respondem ao hipotálamo-hipófise) e a atividade adrenocortical (eixo HPA hipotalâmico-pituitário-adrenal). O estresse agudo ou crônico pode causar alterações adaptativas no hipocampo por meio de mecanismos celulares ou moleculares (MCEWEN et al., 2015a; MCEWEN; RASGON, 2018). Outro fator relevante é o gênero, visto que em decorrência de efeitos epigenéticos hormonais associados a mecanismos genéticos orientados pelos cromossomos sexuais, os estressores agudos e crônicos podem ser respondidos de forma diferente por homens e mulheres (MCCARTHY; ARNOLD, 2011).
O estresse e a inflamação são mecanismos que podem viabilizar a compreensão dos efeitos do estresse no cérebro e no corpo, bem como elucidar os efeitos psicobiológicos que podem acompanhar o estresse e a depressão. Nesse sentido, o estresse crônico, o transtorno depressivo maior (TDM), o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), a inflamação crônica e a inatividade física podem causar a atrofia do hipocampo. Por outro lado, o hipocampo pode aumentar de tamanho com a prática de exercício físico regular, terapia antidepressiva e aprendizado intenso. Além disso, o hipocampo também pode ser afetado por hormônios peptídicos ou proteicos (fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1), insulina, grelina e leptina) (MCEWEN; RASGON, 2018).
A depressão pode perturbar o eixo neuroimune que interage com o sistema imunológico e o sistema nervoso central para afetar o comportamento (MCCARTHY; ARNOLD, 2011). O processo inflamatório atua significativamente no desenvolvimento da depressão. Indivíduos com transtornos de humor podem apresentar anormalidades no sistema imunológico, dentre eles, elevados níveis de citocinas próinflamatórias, monócitos e neutrófilos presentes na circulação periférica, além da desregulação da neuroglia e da função da barreira hematoencefálica, e da perturbação da microbiota intestinal. Tais mecanismos estão envolvidos tanto no TDM quanto nos transtornos de ajustamento (TAs) acompanhados de humor depressivo.
A depressão é um transtorno recorrente e progressivo que necessita de prevenção a longo prazo, podendo evoluir para um TDM, caso não seja tratado. Um mecanismo que pode contribuir para esta evolução é o desgaste causado pelo processo inflamatório, eixo HPA, hiperatividade adrenal, estresse oxidativo, entre outros, bem como episódios depressivos, estressores (sensibilização ao estresse) e sensibilização comportamental induzida por estimulantes psicomotores.
Quanto aos TAs existe uma barreira para a compreensão dos aspectos psicobiológicos deste transtorno, devido a complexidade da definição de seu diagnóstico, uma vez que há uma grande dificuldade de distinguir o que é normal de patológico. O indivíduo diagnosticado com TA deve apresentar tanto disfunção quanto disforia. A presença de comorbidade médica ou psiquiátrica pode aumentar a incerteza sobre o diagnóstico de TAs, o que requer estudos mais aprofundados. Para uma melhor compreensão da psicobiologia dos TAs é necessário uma análise dos efeitos do estresse no SNC e do papel do eixo HPA na resposta ao estresse que pode contribuir para o entendimento da fisiopatologia deste transtorno. Considerando o TA como uma síndrome de resposta ao estresse, seria interessante compreender como o sistema HPA atua no TA, bem como os diversos subtipos de TA se comportam, se apresentam semelhanças nas alterações psicobiológicas, ou se sua psicobiologia está mais relacionada ao humor dos pais (ex. depressão, ansiedade). Assim como as diversas condições psiquiátricas já abordadas, o TA também envolve alterações no sistema HPA e efeitos fisiológicos cumulativos que contribuem para a compreensão da psicobiologia deste.
Outro aspecto importante para a compreensão da psicobiologia do TA é verificar se as anormalidades psicobiológicas encontradas no TDM e no transtorno de ansiedade são semelhantes às encontradas nos subtipos depressivos e ansiosos do TA, a fim de auxiliar na compreensão da psicobiologia do TA, bem como no desenvolvimento de um tratamento adequado para o TA pautado no tratamento do TDM.
Estudos atuais revelam descobertas genéticas relacionadas às diferenças individuais entre vulnerabilidade e resiliência. Um estudo demonstrou que indivíduos que possuíam o alelo curto do gene transportador de serotonina (5-HTT LPR) e que apresentavam alta exposição a situações com elevado nível de estresse (ex. furacões, baixo suporte) estavam em maior risco de desenvolver vulnerabilidade pós-estresse/traumática/depressiva do que uma coorte pareada com o alelo longo deste gene (KILPATRICK et al., 2007). Por outro lado, parece estar claro que a maioria das pessoas que foram expostas a eventos traumáticos ou estressantes não apresentaram o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos (TEPT, TDM ou transtornos de ansiedade) ou de ajustamento, apresentando assim uma maior resiliência diante de eventos estressores. No entanto, isto levanta diversos questionamentos: Será que as mesmas diferenças genéticas podem determinar a diferença entre vulnerabilidade e resiliência na depressão, no TEPT, em outros transtornos de ansiedade e de ajustamento? Southwick e Charney (2012) descreveram as ferramentas psicológicas para aumentar a resiliência, sendo elas: Forças e virtudes de caráter; Altruísmo; Otimismo; Bússola moral/um código de honra; Fé/espiritualidade; Humor; Modelos a seguir; Apoios sociais; Enfrentamento do medo/sair da zona de conforto; Uma missão de vida; Treinamento (em todas as suas formas). Também descreveram os correlatos biológicos que são afetados pelo estresse agudo e pela resiliência. O entendimento destes mecanismos pode auxiliar no tratamento dos TAs.
Por fim, após a análise do contexto apresentado aqui, podemos constatar que os eventos psicobiológicos envolvidos na resiliência são os mesmos envolvidos nos transtornos de ajustamento, bem como nas diversas condições psiquiátricas. Tais mecanismos ocorrem tanto em TAs quanto em condições psiquiátricas como depressão, TEPT, TEA ou transtornos de ansiedade, sendo eles: substratos neurais compartilhados, familiaridade, fatores de risco genéticos, fatores de risco ambientais, biomarcadores, antecedentes temperamentais e/ou anormalidades de processamento cognitivo ou emocional. Nesse sentido, podemos inferir que o tratamento adequado para a remissão de tais transtornos psiquiátricos também são eficazes para o tratamento dos TAs. A compreensão da atuação do eixo HPA pode fornecer um contexto psicobiológico essencial para auxiliar em pesquisas voltadas para a compreensão da interação entre as síndromes de resposta ao estresse, depressão, TEPT, transtornos de ansiedade e TAs. Além disso, pode auxiliar na investigação de abordagens terapêuticas distintas para os diferentes subtipos de TAs, incluindo psicoterapias e intervenções farmacológicas.
STRAIN, James J. The psychobiology of stress, depression, adjustment disorders and resilience. The World Journal of Biological Psychiatry, 19:sup1, S14-S20, 2018. DOI: 10.1080/15622975.2018.1459049.
PRODUÇÃO:
Mariana manzi,
Maria Yasmile Andrade Cavalcante Moraes, Ranya Prazeres da Silva, Rosely Modesto Silva.
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